sábado, 7 de julho de 2012
Estudo da FGV propõe 'cláusula de saída' para regra de conteúdo local
A decisão da Petrobras, sob inspiração de Maria das Graças Foster, sua nova presidente, de rever as metas do seu Plano Estratégico, reduzindo, por exemplo, a meta de produção de petróleo de 4,91 milhões para 4,2 milhões de barris em 2020, significou uma admissão de que a companhia não está conseguindo contratar equipamentos críticos necessários para ampliar sua produção no tempo previsto.
A "confissão" de Foster abre espaço para a rediscussão da estratégia nacional para o setor que, em última instância, pode vir a ser uma referência para o conjunto da indústria. Pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) propõem um debate sobre qual a melhor forma de concretizar a política de conteúdo local de modo a obter o máximo de ganhos econômicos e tecnológicos com a exploração e produção de óleo no pré-sal.
Sem contestar a validade de o país ter ou não uma política industrial baseada na exigência de conteúdo nacional na produção de bens e de equipamentos, eles apresentaram com exclusividade ao 'Valor' um estudo no qual propõem que o programa tenha objetivos específicos de produção própria, baseados nos equipamentos que mais estimularem o desenvolvimento tecnológico, abrindo o restante à competição internacional.
O trabalho, elaborado pelo pesquisador Maurício Canêdo Pinheiro, foi também apresentado por Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, Marcio Lago Couto, superintendente, e Armando Castelar, coordenador-geral de pesquisa econômica aplicada.
"Apostar na verticalização pode funcionar. Difícil é [ter] escala para fazer tudo", argumenta Schymura. Os técnicos da FGV sugerem que, além de eleger objetivos claros, o governo estabeleça portas de saída, com metas a serem checadas ao longo do tempo, de modo a assegurar que ao final do período estabelecido a indústria tenha alcançado competitividade internacional e elevado grau de desenvolvimento tecnológico, espalhando sua influência benéfica para outros setores da indústria. Sem isso, concordam os pesquisadores, o Brasil corre o risco de ter uma indústria onde tudo será, naturalmente, 25% ou 30% mais caro, sem promover ganhos de eficiência que permitam a essa indústria competir globalmente.
No estudo apresentado, Pinheiro ressalta que políticas de estímulo a conteúdo local trazem benefícios, como geração de emprego e renda nos setores encadeados, mas trazem também ônus decorrentes da proteção assegurada, como o aumento de custos na exploração e produção de petróleo e gás. O saldo será positivo "se os benefícios são perenes e os custos transitórios", frisa Pinheiro, arrematando que "política industrial tem que ser transitória". Shimura acrescenta que o difícil, nesse caso, é "funcionar na escala de fazer tudo".
A Noruega, na própria indústria de hidrocarbonetos, e a Coreia do Sul, que usou como uma alavanca do seu desenvolvimento a indústria de construção naval, foram os exemplos de políticas industriais bem-sucedidas apresentados pelo pesquisador da FGV. Em ambos os casos, o trabalho sustenta, não foi interposta "nenhuma barreira à importação de insumos ou regra de conteúdo local mínimo".
No caso sul-coreano, a meta de tornar a construção naval internacionalmente competitiva foi implantada com criação de demanda doméstica, crédito subsidiado direcionado para investimento e exportação, além de subsídios e isenções fiscais para investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), tudo apoiado em metas claras de exportações e na redução gradual da proteção.
No caso norueguês, diz o trabalho, o objetivo de fomentar a cadeia de óleo e gás com ênfase em tecnologia também passou por subsídios e isenções fiscais para P&D e pelo incentivo, mas sem obrigação, do uso de fornecedores locais. Foram fomentadas parcerias com empresas estrangeiras para a absorção de tecnologia.
O exemplo negativo veio também da indústria naval e de uma experiência brasileira, a tentativa de desenvolver o setor nas décadas de 1960 e 1970, um fracasso retumbante que resultou no fechamento de praticamente todos os estaleiros existentes na época. Segundo o trabalho da FGV, a ênfase para o desenvolvimento foi o mercado doméstico (foi criada reserva de mercado de cargas de e para o Brasil para a marinha mercante nacional) com crédito subsidiado.
No caso da indústria atual de fornecedores para o setor de óleo e gás, Pinheiro ressaltou que ela tem baixa inserção internacional, com apenas 25% das empresas atuando como exportadoras, sendo que grande parte delas exporta menos de 10% da produção. O trabalho ressalta ainda que a política de conteúdo local para o setor não pode ser usada como substituta de políticas que tragam benefícios para a atividade econômica como um todo (horizontais), como racionalização da carga tributária, investimentos maciços em educação e em infraestrutura.
"O Brasil até tem sorte porque a descoberta do petróleo [em larga escala] veio depois que o país conseguiu se diversificar", ressaltou Pinheiro, lembrando que em outros países, como Venezuela e Nigéria, o petróleo vem afirmando a chamada "maldição das matérias-primas" que funciona como espécie de barreira ao desenvolvimento da economia como um todo.
Castelar disse que, mesmo com uma indústria diversificada, o Brasil não está imune à chamada "doença holandesa" (referência à desindustrialização sofrida pela Holanda após a descoberta de gás natural nos anos 60) por conta do estímulo concentrado no setor petróleo. Na economia, os sintomas dessa doença são a entrada vertiginosa de dólares obtidos com a venda de commodities e financiamento a investimentos que apreciam o câmbio e afetam a competitividade da indústria local.
Castelar destaca que, com uma movimentação de recursos da ordem de US$ 400 bilhões até 2020 - o BNDES estima que, para cada dólar investido pela Petrobras, será investido algo entre US$ 1,6 e US$ 2 pelos fornecedores, sem contar as outras empresas que operam no país - o setor poderá, por meio da atração de recursos externos para financiar parte dos investimentos, provocar a elevação da taxa de câmbio, retirando a competitividade de outros setores.
Fonte: Valor Econômico
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